ARQUIVO (conteúdo publicado no período de 2014-2015)

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domingo, 19 de outubro de 2014

[Reportagem #23] A importância de incentivar o colecionismo cultural

Octavio Caruso
SRZD, 13/10/2014.

O ato de colecionar é a maneira mais lúdica de se encapsular emoções. Sejam livros, filmes ou selos, com certeza representam momentos e experiências que marcaram a vida da pessoa. Aqueles que se dizem desapegados, normalmente procuram esquecer ao invés de lembrar. Os colecionadores encontram prazer até mesmo na rememoração da dor. Aquele filme que foi assistido pela primeira vez com a pessoa amada, cuja cena fez ambos sorrirem, ou suscitou aquele apertar mais forte das mãos que precede alguma cena de suspense, tudo incorporado àquela experiência. O amor pode acabar ou ser tragicamente interrompido, porém aquele filme resistirá ao tempo, mantendo-se como um monumento àquela relação. Basta retirar o DVD da estante e reencontrar-se com aquela pessoa amada, seja para lamentar sua ausência ou simplesmente relembrar sua presença.

O poder do colecionismo reside no desejo natural de agarrar-se à vida. Uma noite alegre ao lado de amigos dura apenas até o som da última gargalhada propagar-se no ar. Sobrevivem as fotos, as lembranças e temporariamente a dor de cabeça, dependendo de quanto se bebeu. Uma pessoa que sorri ao rever uma foto antiga, uma senhora que se emociona ao encontrar um livro que remete à sua infância, um jovem que se empolga ao finalmente encontrar o DVD daquele filme que sempre assistia na "Sessão da Tarde". Todos compartilham a mesma paixão.

Você que se desespera sempre que seu filho chega de um passeio com filmes, preocupado com o dinheiro investido em algo que considera fútil, procure entender a importância que aqueles sonhos revestidos em plástico representam para ele. Ao invés de repreendê-lo, incentive-o a aprimorar ainda mais seu bom gosto. O dinheiro que repousa no caixa da loja de DVDs poderia estar no bolso do dono de bar mais próximo, disperso na fumaça de algum vício ou em produtos caros, cujo valor explica-se apenas no status que as marcas representam em nossa sociedade.

Esse texto nasceu de uma cena que presenciei outrora em um passeio no shopping center. Um garoto, que parecia ter por volta de treze anos, admirava com os olhos vidrados a seção de filmes em uma famosa loja varejista. Sua mãe caminhava de um lado a outro, carregando alguns pacotes de biscoito e alguns CDs de música de gosto bastante duvidoso. Incrivelmente, o filho possuía cultura antagônica à de sua progenitora, pois havia escolhido "Lawrence da Arábia" e um filme de Zhang Yimou. Os valores eram irrisórios e somente os pacotes de biscoito já os superavam. Eu estava pronto para sair do recinto, mas identifiquei-me com o jovem e fiquei para contemplar o resultado daquela atípica cena.

Pouco tempo depois, mãe e filho iniciaram uma discussão na fila, com o jovem explicando para ela a importância daquelas obras. Constatei que ele realmente entendia do assunto, enquanto a senhora mostrava-se sem paciência e transtornada, simplesmente se negando a atender seus apelos. Os argumentos do jovem me deixaram comovido, pois imaginei que aquela mesma senhora muito provavelmente não titubearia, um segundo sequer, antes de gastar o triplo daquele ínfimo valor, em qualquer produto que ela considerasse importante, fosse um dentifrício, um livro do Padre Marcelo Rossi ou um CD de Funk carioca. O nível era esse. Uma ação da senhora, no momento em que já estava próximo de ser atendida, fez com que eu fizesse algo inédito e totalmente impulsivo.

O jovem desistiu e deixou os filmes no mesmo local em que os havia retirado, porém o brilho nos olhos havia desaparecido por completo. Sua mãe exalou um ar de surpresa e contentamento ao agarrar mais um CD de qualidade altamente questionável, direcionando-se à atendente para realizar sua compra. Voltei então ao local onde o garoto havia deixado os filmes, peguei-os e posicionei-me novamente na fila. Fui atendido no caixa ao lado, que parecia mais apressado para largar seu posto e voltar para casa. Aguardei a senhora terminar de guardar sua carteira e discretamente chamei sua atenção. Surpresa ela me viu entregar a sacola para o garoto, que sorriu imediatamente e agradeceu meio sem jeito. Expliquei a ela que eu havia sido um dia como seu filho, buscando alimento para a alma no escapismo que o cinema proporciona.

Antes de sair da loja, fiquei feliz ao ver que a mãe começou a demonstrar interesse naqueles filmes, lendo as contracapas, provavelmente pensando que deveriam ser fantásticos, para que um estranho se dispusesse a presentear seu filho com eles, enquanto o garoto timidamente me acenava sorridente uma despedida com a mão. Foram os vinte e quatro Reais mais bem gastos de que me lembro.