Octavio Caruso
SRZD,
13/10/2014.
O ato de
colecionar é a maneira mais lúdica de se encapsular emoções. Sejam livros,
filmes ou selos, com certeza representam momentos e experiências que marcaram a
vida da pessoa. Aqueles que se dizem desapegados, normalmente procuram esquecer
ao invés de lembrar. Os colecionadores encontram prazer até mesmo na
rememoração da dor. Aquele filme que foi assistido pela primeira vez com a
pessoa amada, cuja cena fez ambos sorrirem, ou suscitou aquele apertar mais
forte das mãos que precede alguma cena de suspense, tudo incorporado àquela
experiência. O amor pode acabar ou ser tragicamente interrompido, porém aquele
filme resistirá ao tempo, mantendo-se como um monumento àquela relação. Basta
retirar o DVD da estante e reencontrar-se com aquela pessoa amada, seja para
lamentar sua ausência ou simplesmente relembrar sua presença.
O poder do colecionismo reside no desejo natural de
agarrar-se à vida. Uma noite alegre ao lado de amigos dura apenas até o som da
última gargalhada propagar-se no ar. Sobrevivem as fotos, as lembranças e
temporariamente a dor de cabeça, dependendo de quanto se bebeu. Uma pessoa que
sorri ao rever uma foto antiga, uma senhora que se emociona ao encontrar um
livro que remete à sua infância, um jovem que se empolga ao finalmente
encontrar o DVD daquele filme que sempre assistia na "Sessão da Tarde".
Todos compartilham a mesma paixão.
Você que se desespera sempre que seu filho chega de um
passeio com filmes, preocupado com o dinheiro investido em algo que considera
fútil, procure entender a importância que aqueles sonhos revestidos em plástico
representam para ele. Ao invés de repreendê-lo, incentive-o a aprimorar ainda
mais seu bom gosto. O dinheiro que repousa no caixa da loja de DVDs poderia
estar no bolso do dono de bar mais próximo, disperso na fumaça de algum vício
ou em produtos caros, cujo valor explica-se apenas no status que as marcas
representam em nossa sociedade.
Esse texto nasceu de uma cena que presenciei outrora em um
passeio no shopping center. Um
garoto, que parecia ter por volta de treze anos, admirava com os olhos vidrados
a seção de filmes em uma famosa loja varejista. Sua mãe caminhava de um lado a
outro, carregando alguns pacotes de biscoito e alguns CDs de música de gosto
bastante duvidoso. Incrivelmente, o filho possuía cultura antagônica à de sua
progenitora, pois havia escolhido "Lawrence da Arábia" e um filme de
Zhang Yimou. Os valores eram irrisórios e somente os pacotes de biscoito já os
superavam. Eu estava pronto para sair do recinto, mas identifiquei-me com o
jovem e fiquei para contemplar o resultado daquela atípica cena.
Pouco tempo depois, mãe e filho iniciaram uma discussão na
fila, com o jovem explicando para ela a importância daquelas obras. Constatei
que ele realmente entendia do assunto, enquanto a senhora mostrava-se sem
paciência e transtornada, simplesmente se negando a atender seus apelos. Os
argumentos do jovem me deixaram comovido, pois imaginei que aquela mesma
senhora muito provavelmente não titubearia, um segundo sequer, antes de gastar
o triplo daquele ínfimo valor, em qualquer produto que ela considerasse importante,
fosse um dentifrício, um livro do Padre Marcelo Rossi ou um CD de Funk carioca.
O nível era esse. Uma ação da senhora, no momento em que já estava próximo de
ser atendida, fez com que eu fizesse algo inédito e totalmente impulsivo.
O jovem desistiu e deixou os filmes no mesmo local em que
os havia retirado, porém o brilho nos olhos havia desaparecido por completo.
Sua mãe exalou um ar de surpresa e contentamento ao agarrar mais um CD de
qualidade altamente questionável, direcionando-se à atendente para realizar sua
compra. Voltei então ao local onde o garoto havia deixado os filmes, peguei-os
e posicionei-me novamente na fila. Fui atendido no caixa ao lado, que parecia
mais apressado para largar seu posto e voltar para casa. Aguardei a senhora
terminar de guardar sua carteira e discretamente chamei sua atenção. Surpresa
ela me viu entregar a sacola para o garoto, que sorriu imediatamente e
agradeceu meio sem jeito. Expliquei a ela que eu havia sido um dia como seu
filho, buscando alimento para a alma no escapismo que o cinema proporciona.
Antes de sair da loja, fiquei feliz ao ver que a mãe
começou a demonstrar interesse naqueles filmes, lendo as contracapas,
provavelmente pensando que deveriam ser fantásticos, para que um estranho se
dispusesse a presentear seu filho com eles, enquanto o garoto timidamente me
acenava sorridente uma despedida com a mão. Foram os vinte e quatro Reais mais
bem gastos de que me lembro.